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Incidência de lesões ósseas e cartilaginosas glenoumerais na cirurgia de estabilização anterior

A instabilidade anterior engloba um grande espectro da doença, variando de luxações traumáticas a recorrentes subluxações atraumáticas. Dentro deste espectro, alterações intra-articulares ocorrem frequentemente, com a incidência de lesões ósseas, cartilaginosas e labrais próxima a 100% em alguns estudos. Apesar dos avanços nas técnicas e aumento do reconhecimento das possíveis causas de falha, a instabilidade recorrente após reparo de Bankart ocorre em 10-30%. Além do risco de perda óssea nos episódios de recorrência, a instabilidade pode resultar em alterações cartilaginosas progressivas mesmo após intervenção cirúrgica.
O objetivo deste estudo é comparar características demográficas, escores reportados pelo paciente, e achados intra operatórios de pacientes com instabilidade anterior submetidos a cirurgia primária ou de revisão;

Métodos

Os dados foram coletados prospectivamente, em uma coorte multicêntrica. Foi coletado a incidência de lesões ósseas e cartilaginosas glenoumerais em pacientes submetidos a cirurgia primária ou revisão, assim como fatores independentes associados a estas lesões, utilizando a base de dados de instabilidade do ombro do MOON (Multicenter Orthopaedic Outcomes Network) para identificar todos os pacientes de 12 a 99 anos submetidos a cirurgia de estabilização para instabilidade anterior.
Os pacientes foram prospectivamente inscritos na base de dados, sendo que os dados demográficos e dados reportados pelos pacientes foram coletados no pré-operatório, utilizando questionários padronizados. Os achados intraoperatórios foram descritos por 25 cirurgiões de 11 instituições dos EUA, usando um formulário padrão no momento da cirurgia. Os dados foram coletados usando REDCap (research electronic data capture).

Todos os pacientes que foram incluídos nesta base de dados entre outubro de 2012 e setembro de 2016 foram considerados para análise.
Foram incluídos todos os pacientes submetidos a cirurgia artroscópica primária ou de revisão, ou submetidos a cirurgia aberta de estabilização anterior, incluindo procedimentos de augmentation ósseo na cabeça umeral e ou glenóide, quando indicados. Os critérios de exclusão foram: pacientes submetidos a cirurgia de reparo de lesão do manguito rotador concomitante, e pacientes que estavam afastados do trabalho devido as queixas do ombro.
Foram coletados dados pré operatórios como características demográficas, comorbidades, cirurgia prévia, eventos de instabilidade. No momento da cirurgia foi preenchido um formulário pelo cirurgião que inclui: diagnóstico pré operatório, exame físico sob anestesia, e informação sobre diagnóstico e tratamento de lesões capsulares, labrais, bíceps, manguito rotador, cartilagem da glenóide e cabeça umeral, condromalácia, perda óssea glenoumeral (estimada pelos cirurgiões baseados nos exames de imagem e intraoperatório). A decisão do tipo de tto foi dada pelo cirurgião e não randomizada.
Os pacientes que tinham as características a seguir, foram incluidos no Grupo BCL (bone cartilage lesion): Classificação de Outerbridge 3 ou 4 na cabeça ou glenóide; defeito osteocondral; ruptura glenolabral; perda óssea glenóide >10% (avaliada pelo rx ou artroscopia); perda óssea cabeça >20% (avaliada pelo rx ou artroscopia).

Resultados

Foram avaliados 545 pacientes, sendo 461 submetidos cirurgia primária (84.6%) e 84 revisão (15.4%). A média de idade foi 24.1 +- 8.7 anos, sendo 83.5% homens. Dos pacientes de revisão, 91.3% dos casos foram reoperados por recorrência da instabilidade.
Os pacientes submetidos à revisão eram mais velhos, mais frequentemente fumantes, descreveram maior quantidade de eventos de instabilidade antes da cirurgia, mais frequentemente necessitaram de ajuda para redução, tinham menor escore Short Form 36 (no componente mental – MCS – escore de qualidade de vida), e tinham um escore menor de Western Ontario Shoulder Instability Index (WOSI). Porém, apesar de haver significância estatística, estes resultados não atingiram o MCID (minimal clinically important difference).
Os pacientes submetidos à revisão também mais frequentemente foram submetidos à cirurgia aberta (73.8% vs 7.6%), na posição cadeira de praia, e submetidos a procedimentos de augmentation ósseo, como Latarjet (64.3% vs 6.1%). Os pacientes de revisão tiveram uma maior incidência de lesões ósseas e cartilaginosas (47.6% vs 18.4%), além de uma perda óssea glenóide maior, porém sem diferença na incidência de lesão de Hill-Sachs >20%. A lesão mais frequente nos dois grupos foi perda óssea glenóide >10%, mas mais frequente nos casos de revisão 44.1% vs 7.8%.
Os pacientes nos quais foram encontradas lesões ósseas e cartilaginosas (grupo BCL) eram mais velhos; homens, negros (16.0% vs 7.6%), fumantes (11.2% vs 6.0%), submetidos a cirurgia de revisão (32.0% vs 10.5%), e tinham um menor PCS do escore SF-36.

Discussão

Alta incidência de lesões ósseas e cartilaginosas foi descrita anteriormente em pacientes submetidos a cirurgia primária de estabilização, porém, a incidência destas lesões em pacientes submetidos a revisão foi descrita apenas em pequenas coortes. Neste estudo, 47.6% dos pacientes submetidos a revisão tinham BCL (lesões ósseas e cartilaginosas) no momento da cirurgia, sendo o achado mais comum a perda óssea da glenóide>10%.
Quanto ao efeito das BCL no resultado e função do paciente, resultados variados foram encontrados na literatura: Krych e cols relataram que as BCL não afetaram os resultados a médio prazo; Meehan and Petersen, entretanto, relataram que pacientes com artrose glenoumeral e lesões ósseas de Bankart tinham resultados piores em uma coorte de pacientes submetidos a cirurgia de revisão.
Neste estudo, pacientes com BCL tinham estatisticamente menor score SF-36 PCS no momento da cirurgia, mas esta diferença não atingiu o MCID (minimal clinically important difference)
Apesar do sexo masculino e cirurgia de revisão estarem mais fortemente associados a BCL e perda óssea da glenóide, a raça do paciente (especificamente negros) também foi fator independente associado a BCL. Apesar de vários fatores demográficos e sociais já terem sido demonstrados como influência ao acesso aos procedimentos de medicina esportiva em pacientes jovens e ativos, mais estudos sobre este achado em particular devem ser realizados.

Limitações do estudo

É um estudo cross-sectional, achados time-zero – deve-se realizar acompanhamento destes pacientes para garantir um estudo longitudinal, além de ser não randomizado, ou seja, o tratamento foi o de escolha do cirurgião (estudo observacional).
Para medida da perda óssea, cirurgiões utilizaram medidas pré operatórias e intra operatórias, porém ambas tem limitações significativas para perda óssea da glenóide, e não existem métodos confiáveis de medição da perda óssea da cabeça umeral.
Como foi reportado pelos pacientes o número de eventos de instabilidade, é desconhecido se estes eventos foram de luxação ou subluxação. Apesar da literatura recente sugerir que ambos podem resultar em lesões intra articulares similares, a imprecisão do relato do paciente deve ser considerada.
O histórico cirúrgico dos pacientes submetidos a revisão antes de entrarem neste estudo é desconhecido, e os efeitos de intervenções cirúrgicas prévias nos resultados dos pacientes e achados intra operatórios não pode ser determinado.

Conclusão

Lesões ósseas e cartilaginosas glenoumerais foram achados comuns intra operatórios neste estudo multicêntrico. Diversas variáveis diferiram entre pacientes submetidos a cirurgia primária ou de revisão, porém a característica mais notável foi o aumento significativo de BCL identificados em pacientes submetidos a revisão. Este estudo identificou diversos fatores associados independentemente com a presença de lesões ósseas e cartilaginosas, incluindo sexo masculino, cirurgia de revisão, raça negra, IMC aumentado, pacientes mais velhos e menores scores SF-36 PCS no pré operatório.
Com base nesses resultados, futuros estudos devem ter como objetivo comparar os resultados em pacientes submetidos à cirurgia de estabilização do ombro primária e de revisão, levando em consideração a presença ou ausência de lesões da cartilagem glenoumeral.

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